Conheça o Livro Raízes e Asas

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quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Visões






Gilberto abriu os olhos.
Tudo parecia igual. Os mesmos móveis no quarto, a mesma decoração. Até mesmo a pouca iluminação e a janela que sempre teimava em mostrar a mesma paisagem da grande e poluída metrópole.
Mas então, porque se sentia assim, tão diferente, distante e alheio a tudo como se fosse um estranho em seu próprio lar, quando ali vivera por anos a fio?
As lembranças estavam frescas em sua memória, e tudo se encaixava como num filme de ontem onde tivesse sido apenas um mero espectador.
Abriu os olhos e se lembrou de Pietra. Seu perfume ainda podia ser sentido na cama.
Gilberto ainda sentia que seu corpo guardava o calor e as lembranças do contato de Pietra.
A dor, se é que era dor, ainda continuava: um vazio inexplicável perante as possibilidades que se abriam.
Lembrou-se da voz macia e entrecortada:
- Tem mesmo certeza de que é isto o que quer?
Ele olhou os olhos dela agora tristes, antes furiosos. Também sentiam o abismo que se abriria dali pra frente. Anos de relacionamento, alguns momentos altos, outros baixos, a rotina estressante, o desinteresse e a acomodação.
- Sim, a perspectiva é tudo que me resta.

Abriu os olhos e viu tudo o que foi: a paixão momentânea, a vida se esvaindo um dia após o outro. Tornara-se uma engrenagem numa maldita máquina que girava sem parar. Nada mais fazia sentido.
Foi quando resolveu procurar ajuda profissional.
Era uma jovem médica. Morena, cabelos lisos e negros, um sorriso intimista e flagelador. Ele mesmo não acreditou, mas ela estava lá e era real.
E de novo, ouviu aquela pergunta:
- Tem mesmo certeza de que é isto o que quer?
- Sim, Dra. Anna. – Gilberto respondeu - Pode iniciar o procedimento.
O procedimento foi algo surreal: dezenas de fios vindos de um computador e ligados a um capacete de borracha macia que vestia seu crânio. E depois a escuridão.
Dormiu por algum tempo.
Acordou.
Abriu os olhos.
E descobriu. A si mesmo.
Assim tudo acontecera.

Abriu os olhos.
- Preciso marcar uma nova consulta – disse pra si mesmo, irritado, ao acordar no quarto ainda escuro, após aquelas alucinações.
Ele fora Gilberto, um professor universitário. Depressivo. Vivera uma triste vida. Cortara os laços com a única mulher a qual amara e lhe correspondera. Fora um perdedor.

Mas agora não mais. Tornou-se músico e cantor. Mudou de cidade. Passou a ganhar a vida participando de uma das melhores orquestras do país. Sua companheira? Janine. Seu nome? César. Agora um homem feliz.

Mas Gilberto ou o fantasma de Gilberto ainda lhe perseguia, e com ele todo o seu maldito peso existencial. Mas isto iria acabar. César já se decidira.

Ainda que tivesse de realizar outro implante de personalidade e qualificações.  





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