Do céu caíam ardentes estrelas em chamas, fustigando a terra com fogo e fumaça. A terra ardia, como se os portões do inferno tivessem sido escancarados. A fogueira maldita se espalhara pelo mundo todo, e com ela, também o veneno estelar, causando a morte de milhares de espécies de criaturas.
Em partes diferentes do globo terrestre, calamidades e catástrofes se sucediam. Terremotos sacudiam a terra, violentos furacões arrastavam o que estivesse pela frente. Uma densa atmosfera escurecia a terra, o sol se esfriava. Corpos flutuavam nas enchentes, apodreciam nos desertos, eram vistos inteiros ou aos pedaços.
A água estava contaminada. Doenças infernais se alastravam entre os sobreviventes. Moribundos pediam primeiro por socorro, depois pela morte. Mas esta não vinha. Pelo menos, não imediatamente. A agonia consumia primeiro a dignidade, para somente depois a morte alcançar o que restara de humano...
Raríssimos escaparam da primeira onda de destruição. Mas outra, tão devastadora quanto, já se anunciava. O Desespero e o medo reinaram entre os poucos vivos. Uma enorme bola de fogo vinha veloz, rasgando o céu.
Mais uma vez acordou aos gritos, sobressaltado. O pesadelo era tão vívido e real que o torturava a cada minuto. Seus nervos tremiam. O corpo suava. O coração disparara. Lágrimas rolavam abundantes em sua face. O horror o perseguia, adentrando por cada poro de sua pele.
Morte e Destruição... é tudo que podemos esperar.
Ele via o fim. Da vida. Do mundo. De todas as coisas existentes debaixo do sol. Era um sonho recorrente que o atormentava noite após noite.
Conhecerás a verdade e a verdade vos libertará.
Passara a buscar vorazmente tudo que já fora antes pensado, escrito e imaginado sobre o fim. Pesquisara na internet, nos filmes, em livros antigos. Tinha que saber mais.
Devorou personagens históricas e bíblicas. Culturas exóticas.
Todos predisseram o fim.
Sim, os videntes, profetas e santos estavam certos, embora tivessem visto apenas uma parte do todo. Meus pesadelos e visões ultrapassam suas predições.
Todas as coisas ainda aconteciam normalmente. As pessoas iam para o trabalho, retornavam às suas casas, estudavam, assistiam TV, faziam amor, tudo tão natural como sempre fora. Ninguém percebia o momento que se aproximava.
Ninguém a não ser ele.
Como podem não perceber? É tão nítido. Ali está o leão, pronto a cair sobre a ovelha, o abismo prestes a engolir a terra, as trevas vencendo a luz, a agonia vindo aos galopes. Não percebem o seu fim chegando, rápido e mortal...
Um demônio lhe dera o poder de pressentir o que estava para acontecer...
Não pode ser obra de Deus. Quem mais, senão um demônio?
Tal poder só servia para desesperá-lo, e destruir sua vida antes mesmo do fim previsto.
Agora era incapaz de continuar vivendo uma vida normal como todos os outros. Estava marcado a ferro e fogo, com as brasas ainda vermelhas queimando em seu ser.
Entre bilhões de pessoas apenas eu sei. Oh, maldição! Por que tinha de ser eu?
Sentiu ser aquele quem deveria anunciar ao mundo a proximidade do fim. Seria o João Batista, a voz solitária no deserto.
Sim, pois sabia de antemão que seria considerado louco e profano e não o escutariam. Mas o que fazer se o desespero e a vontade de gritar o impulsionavam, rompendo o seu verniz de ser civilizado? Tinha que gritar para todos ouvirem, porque a voz dentro de si explodia em milhares de vozes de almas condenadas e de demônios perversos que se alastrariam pelo mundo.
Serei o verdadeiro Profeta do Apocalipse.
As causas eram muitas: A queda de asteróides. O movimento das placas tectônicas. O enfraquecimento do sol. O derretimento das calotas polares. A poluição geral da terra. Explosões de artefatos humanos. A falta de água potável. A fome. As doenças....
Poderia apontar dezenas de razões físicas e materiais para explicar o inexplicável fim. Isto não importava mais, embora para milhares de pessoas a razão seria sempre aquela velha crença difundida pela igreja. A ira de um Deus vingativo que, frente à queda da humanidade, a condenara por seus pecados.
O que realmente importa é o fim.
Imbuído de sua visão do amargo fim, como uma armadura que o revestia contra o ataque dos descrentes, ele se pôs em sua missão. Enviou e-mails apocalípticos aos amigos, governos e organizações. Mas não teve retorno, a não ser de alguns grupos religiosos fanáticos que já divulgavam o fim, mas não eram ouvidos. Não desistiu, entretanto.
Árdua foi a tarefa. Abriu mão de sua dignidade e de seus valores sociais. Igualou-se a loucos e mendigos, gritando pelas ruas e praças. Ninguém o ouvira. Sua vida pessoal tornou-se um inferno. Fora demitido. A esposa o abandonara, não sem antes interná-lo em um hospício, do qual fugira. A família o considerou um caso perdido. Estava só. O guerreiro em sua cruzada maldita, uma missão que destruíra seu lado pessoal, em prol do bem maior.
Que é uma vida na guerra, comparada às de milhares de soldados mortos? Que é uma vida próxima do fim, quando toda a humanidade será extinta?
Nada mais importava. O terrível destino era um grande tormento. Que adiantaria o emprego, se quando estivesse aposentado, sentado em seu sofá de veludo, assistindo ao seu filme predileto, fosse pulverizado num átimo de segundo, na destruição da terra? Tudo seria pó. Tudo voltaria ao pó.
A motivação material desaparecera de seu espírito.
O meu espírito me leva a gritar a plenos pulmões. É a única forma de elucidar as pessoas e fazer com que os cegos enxerguem; os surdos ouçam; os incrédulos enfim, creiam.
Foi preso. Desta vez, tratado como criminoso e encaminhado a um sanatório público, sem que qualquer familiar estivesse presente. Deram-lhe tratamento de choque, drogas e castigos. Foi torturado e espancado. Desejou morrer.
Um doutor resolveu adotá-lo como seu paciente especial. Livrou-o da violência escancarada para a subliminar: ele sentiu seu cérebro ser torcido, lavado e posto a secar no divã. Sua mente, apagada e reescrita.
A morte me assusta. O fim me apavora.
O psiquiatra lhe explicara o medo de morrer. Ele o chamara de Princípio da Autopreservação. Todos os seres vivos possuem o instinto universal de preservar a si mesmos. Tentam evitar, enganar ou adiar a morte, até o último instante. Era a estratégia de todos, dizia-lhe o bom doutor, tão natural como o nascimento. Não era preciso temer.
É tão simples. Tudo que nasce, morre. Tudo que é vivo morre. E tudo que morre...
Agora, passados meses, era um novo homem. Agradecia ao bom doutor. Não ficava mais pensando no fim. Fora aceito de volta à sociedade e ao seio familiar, a princípio com uma ponta de dúvida e comiseração, mas enfim, aceito.
Agora eu voltei ao normal. Agora estou bem.
Buscou Deus. AQUELE a quem não procurara. E ELE lhe deu a serenidade e a aceitação que o acalmaram.
Deus agora me conforta. ELE expulsou o demônio de minha mente.
Ficou calmo. Foram apenas pesadelos. Uma psicose, um distúrbio mental, como dissera o bom doutor.
O mundo terminaria um dia, era o que a ciência dizia.
Provavelmente não estaremos mais aqui para ver.
Assim, tentou apagar definitivamente de sua mente, com os exercícios que o psiquiatra lhe passara, as imagens que o apavoraram. Técnicas de yoga e meditação o ajudavam a relaxar e controlar seus pensamentos.
Fora um vício. Um vicioso pensamento de destruição, provocado, talvez por um trauma de infância.
Tudo bem. Dominaria o vício, tocaria sua vida e tentaria ser alguém melhor.
Acordara em um novo dia, tudo corria bem. A manhã estava calma, o céu azul, pássaros voavam na alegria da liberdade, pessoas iam para o trabalho.
É bom voltar a ser normal.
Deu-lhe vontade de olhar o céu novamente, mas evitara. Tudo estava bem. O bom doutor já o advertira a não dar vazão a pensamentos negativos. Respirou fundo, olhou para o chão, voltou para dentro de casa.
Mas eis que, repentinamente, ouvira o rebuliço lá fora na rua. Desesperados, os gritos se faziam ouvir:
- OLHEM LÁ... NO CÉU!
- DEUS NOS ACUDA!!!!
- É O NOSSO FIM!
- É UMA IMENSA BOLA DE FOGO QUE ESTÁ CAINDO...!
- SOCORRO!!!!!!!
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