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segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Quando o Cinza Predomina

Quando o Cinza Predomina

ou

A Melancolia Nossa de Cada Dia

Ontem acordei, estava em meu berço, tive que pular a grade para me ver livre no chão. Custou-me alguns arranhões e quase uma queda.

Pisco os olhos e já me vejo indo para a escola, o cinema, o barzinho, o clube, a boate, a galera, a faculdade e o emprego. Tanto misto de emoções em tudo isto, tantos conflitos e buscas, mágoas e ressentimentos, alegrias e comemorações.

É apenas um piscar de olhos, e tudo muda: da terra ao espaço, das pipas, do pião e do trenzinho de brinquedo ao computador e ao cyberespaço, das bonecas das meninas aos anticoncepcionais.

É apenas um piscar de olhos, e vejo amigos que se foram, tempos escorridos, mudanças bruscas, decisões radicais, ações e rupturas, uniões e amizades, caminhos que se bifurcaram em outros maiores ou em pequenas trilhas por onde andei sozinho ou ao lado de alguém, mas sempre, sempre um pensamento dentro de mim, desconfiado e reticente: “tudo passa, nada é eterno, nada dura para sempre” e eu fico a ver meus próprios passos caminhando quando desejo, e tamm, quando nem sei por que caminho.

Por que por mais que eu viva intensamente cada momento sei que muitos outros deixo de viver, por mais que eu me realize e satisfaça meus desejos há tantos outros que nunca irão se realizar mesmo que eu me iluda que basta que eu queira; talvez alguns deles eu conseguisse realizar depois de muita luta e a um custo tão alto que depois eu mesmo me perguntaria se valeu ou não à pena tê-los realizado e sacrificado tantas coisas, como eu mesmo já fiz ainda ontem, e o resultado ter sido tão vulgar e medíocre, uma leve sombra do que poderia ter sido; suspiro brevemente vendo as gotas de chuva baterem no vidro da janela, lágrimas de um mundo imperfeito que também escorrem de meus olhos,”Deus” – penso, por que tudo isto? Por que não apenas a beleza e a perfeição, o eterno e a alegria, a explosão do amor e a emoção da alegria, o ontem, o hoje e o amanhã em um só presente eterno... em um só momento feliz que dure para sempre, pleno de si mesmo, no paraíso distante e completo da humanidade... mas cá estou, o mundo e as pessoas lá fora parecem ser muito mais felizes que sou, cercado de gente ainda me sinto só, e estou no limbo cinza e descolorido de vida e entusiasmo, nem sei ao menos como aqui cheguei.

Olho e não vejo, escuto mas não ouço, tudo parece passar por mim, olho no espelho e a imagem refletida ora tem cabelos escuros e viçosos e pele saudável, ora pouquíssimos e brancos cabelos, mas uma infinidade de rugas... será mesmo meu este rosto, terei mesmo esta idade? E eu que me arrependi de não ter lutado com todas as forças por um ou outro amor que me fascinou, passando por minha vida, talvez ainda houvesse tempo de voltar atrás e reconstruir tudo, talvez seja tarde demais, sei que me omiti algumas vezes, outras não aconteceu parte pelo destino, de minha parte talvez por timidez, talvez pela maldita polidez cicatrizada no corte cirúgico com que a sociedade extirpa nossos desejos, mas um pensamento bem interno, lá no fundo, diz que eu mesmo sou o culpado por ter deixado calar a voz que me guiava aos meus sonhos e ideais e que agora só me cabe sacudir a poeira da estrada e recriar novamente meu caminho ainda que eu leve tombos e bordoadas não importa, o que importa é que eu já não mais estou tão inconsciente assim...

O bebê, o menino, o rapaz e o homem se misturam ao velho e já não conheço mais nem a mim mesmo nem a minha idade somente sei que fecho os olhos para nada mais ver, tudo se mistura, eu sou tudo e todos, meu ontem e meu amanhã, minha própria alegria e desgraça. Um leve piscar de olhos e tudo muda, embora ainda cinza e indiferente,

Pisco os olhos, alguém me chama, volto à minha realidade, é minha mãe, pisco os olhos de surpresa, é minha esposa, pisco novamente são meus filhos. Não agüento mais piscar os olhos, mas eles piscam assim mesmo, meus netos correm para mim, tenho medo de piscar novamente, quem sabe o que mais virá...

Fecho os olhos de propósito para nada mais ver, e tenho medo de abri-los novamente...

... não agüento mais, cansei de tudo e de mim mesmo, melhor dormir, talvez uma noite de sono me restaure... mas... quem sabe já morri e sou um fantasma vendo toda minha vida passar tão rápido assim?

Passo por um leve sono, volto à consciência, mas meus olhos ainda estão fechados, tenho medo de abri-los, ouço mas não há nada para ouvir... dentro de mim renasce a esperança, como uma janela se abrindo ao sol, e desconfiado e temeroso, enfim abro meus olhos.

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