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segunda-feira, 3 de novembro de 2008

O Décimo Segundo Mês - Um Conto de Natal

Conto publicado no livro Contos Selecionados de Novos Autores Brasileiros,

pela Câmara Brasileira de Jovens Escritores


by Ronaldo Souza







Arduamente, durante onze meses, eu trabalho. Onze meses em que vivo, dia após dia, com apenas um objetivo: alcançar o décimo segundo mês. Por que só aí me realizo.

As pessoas gostam de mim. Principalmente as crianças. Estas, quando me vêem, abrem largos sorrisos. Exclamam. Surpreendem-se. Um brilho nasce em seus olhos. Correm em minha direção, a qualquer custo. Eu as abraço, brinco, ouço o que têm para me dizer. Por elas vale meu esforço. Sua alegria contagia minhas ações. Todos gostam de mim.

Observo minhas doces crianças. Desde cedo elas aprendem a me amar. Terna e calorosamente eu as acalento. Na infância não há discriminações. Não há etnias, cores, credos, classes. Todas são simplesmente... crianças.

No décimo segundo mês, eu as tenho bem próximo de mim. Vivo intensamente estes instantes. Cada olhar, cada sorriso é precioso e único. E eu sei que em suas vidas eu só tenho este curto espaço de tempo: o décimo segundo mês. Ainda assim, não para sempre. À medida que crescem, vão se esquecendo, tornando-se adultas, até não mais lembrar, ou terem apenas uma vaga lembrança de minha presença e de seus sonhos infantis, os primeiros e verdadeiros sonhos de suas vidas. Outras crianças nascem, clamam por mim, mas sinto a falta de cada uma daquelas crianças tornadas adultas. Esqueceram-se dos momentos simples e felizes de seu passado. Quando tudo que precisavam para ser feliz... era ser feliz.

Mas me sinto triste e só. Em algum ponto, sinto que fracassei. Porque de cada sorriso que acalento, de cada pequeno anjo que embalo, sei que tantos outros foram perdidos, selvagemente arrastados pela correnteza maligna, e não os pude salvar. Aqueles que estão em meus braços são apenas os sobreviventes...

Eu tenho sido tão só. Tristemente só. Desdobro-me em mil ações. Mas sou apenas um. Durante onze meses, todos me esquecem. Onze meses de trabalho árduo, economizando cada centavo. Eu não os esqueço. Eu trabalho por todos.

Em meu íntimo, tenho chorado. Durante onze meses de trabalho, assisti pelo mundo crianças violentadas, exploradas, escravizadas, torturadas e mortas. O motivo? Guerras. Tráfico. Crimes. Até mesmo o trabalho árduo e precoce. E a visão distorcida, predatória e brutal do sexo.

Algumas foram anjos que voltaram mais cedo aos braços de Deus, outras são ainda flores sendo sugadas, descoloridas, pouco a pouco esmagadas. São sonhos que murcham numa terra cinza, sem nunca conhecer o azul do céu...

Toda minha luta é para trazer luz novamente à esta terra, colorindo o seu céu com um lindo arco-íris...

Arduamente trabalho durante onze meses. Para viver. Para não lembrar dessas crianças que se foram, e das que são consumidas e devoradas, sem a lembrança da humanidade.

Trabalho, e continuo assim. Até o décimo segundo mês.

Hoje é o último dia. Hoje se completam onze meses. Aguardo as 18:00hs. Recebo meu último pagamento do ano. Reúno todas minhas suadas economias. Compro todos os presentes que meu dinheiro pode comprar. Porque amanhã é outro dia. Amanhã é o décimo segundo mês.

O amanhã chega afinal. O hoje torna-se o décimo segundo mês. Posso voltar a ser eu mesmo. Embora a idade avance, o tempo passe, sou eu e ninguém mais aqui dentro de mim, vivendo minha própria verdade.

E a minha verdade é esta: dar o que reuni, dar o que sobra e o que falta, dar de mim mesmo e fazer parte do outro. Porque estou dando além da matéria: estou distribuindo esperança, plantando amor, espalhando alegrias... sementes para um amanhã mais feliz.

Assim, boto o saco nas costas e continuo meu caminho: o caminho do décimo segundo mês.

Passo por todos os lugares: onde há arvores decoradas e luzes brilhantes, ou onde somente há a escuridão da desesperança;

Onde há ceias e troca de presentes, ou onde sequer há solidariedade ou uma troca de olhares...

Mesmo corroído por dentro, lastimando a sorte dos inocentes perdidos e dos que ainda estão acorrentados, vou arrastando minha vida, neste tão esperado décimo segundo mês. Até que ouço um grito:

“Papai” – e um pequeno sorriso correndo em minha direção – “Papai” – os gritos ecoam alegremente, iluminando meu ser, desfazendo o cinza de meu interior, recriando um sol a iluminar meus sentidos e minha vida, então ouço novamente a pequena garotinha gritar, de novo, excitada e alegremente: “Papai”... “Papai” e vejo seus bracinhos se abrindo, velozmente vindo em minha direção.

Então não resisto, a abraço amorosamente, e as lágrimas rolam em meu rosto. Mas preciso sorrir, afinal é o décimo segundo mês. É Natal.

E meu nome... meu nome é Noel...

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