Conheça o Livro Raízes e Asas

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quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Visões






Gilberto abriu os olhos.
Tudo parecia igual. Os mesmos móveis no quarto, a mesma decoração. Até mesmo a pouca iluminação e a janela que sempre teimava em mostrar a mesma paisagem da grande e poluída metrópole.
Mas então, porque se sentia assim, tão diferente, distante e alheio a tudo como se fosse um estranho em seu próprio lar, quando ali vivera por anos a fio?
As lembranças estavam frescas em sua memória, e tudo se encaixava como num filme de ontem onde tivesse sido apenas um mero espectador.
Abriu os olhos e se lembrou de Pietra. Seu perfume ainda podia ser sentido na cama.
Gilberto ainda sentia que seu corpo guardava o calor e as lembranças do contato de Pietra.
A dor, se é que era dor, ainda continuava: um vazio inexplicável perante as possibilidades que se abriam.
Lembrou-se da voz macia e entrecortada:
- Tem mesmo certeza de que é isto o que quer?
Ele olhou os olhos dela agora tristes, antes furiosos. Também sentiam o abismo que se abriria dali pra frente. Anos de relacionamento, alguns momentos altos, outros baixos, a rotina estressante, o desinteresse e a acomodação.
- Sim, a perspectiva é tudo que me resta.

Abriu os olhos e viu tudo o que foi: a paixão momentânea, a vida se esvaindo um dia após o outro. Tornara-se uma engrenagem numa maldita máquina que girava sem parar. Nada mais fazia sentido.
Foi quando resolveu procurar ajuda profissional.
Era uma jovem médica. Morena, cabelos lisos e negros, um sorriso intimista e flagelador. Ele mesmo não acreditou, mas ela estava lá e era real.
E de novo, ouviu aquela pergunta:
- Tem mesmo certeza de que é isto o que quer?
- Sim, Dra. Anna. – Gilberto respondeu - Pode iniciar o procedimento.
O procedimento foi algo surreal: dezenas de fios vindos de um computador e ligados a um capacete de borracha macia que vestia seu crânio. E depois a escuridão.
Dormiu por algum tempo.
Acordou.
Abriu os olhos.
E descobriu. A si mesmo.
Assim tudo acontecera.

Abriu os olhos.
- Preciso marcar uma nova consulta – disse pra si mesmo, irritado, ao acordar no quarto ainda escuro, após aquelas alucinações.
Ele fora Gilberto, um professor universitário. Depressivo. Vivera uma triste vida. Cortara os laços com a única mulher a qual amara e lhe correspondera. Fora um perdedor.

Mas agora não mais. Tornou-se músico e cantor. Mudou de cidade. Passou a ganhar a vida participando de uma das melhores orquestras do país. Sua companheira? Janine. Seu nome? César. Agora um homem feliz.

Mas Gilberto ou o fantasma de Gilberto ainda lhe perseguia, e com ele todo o seu maldito peso existencial. Mas isto iria acabar. César já se decidira.

Ainda que tivesse de realizar outro implante de personalidade e qualificações.  





terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Um olhar inexpressivo



Foi o olhar da velha senhora o que o fez voltar atrás.
Era um olhar vazio, desesperançado, maculado pela dor e tristeza e que naquele momento traduzia a si mesmo em finitude. Marco compreendeu imediatemente. Um lampejo daquela dor e solidão ecoou dentro de si mesmo. Deteve-se no meio da correnteza de gente indo e vindo pela calçada e foi abrindo caminho, desviando-se de um e outro até aproximar-se dela, sentada no chão, num canto, com a mão estendida em busca de um trocado. Ele observou os cabelos dela: um branco-amarelado pela idade, as rugas profundas de seu rosto, as vestes maltrapilhas e a magreza reveladora de sua necessidade de subsistência. Enfiou a mão em seu bolso, pegou algumas moedas e abaixou-se a fim de as depositar naquela mão estendida.
Foi quando Marcos, sem intenção, a fim de que as moedas não caíssem no chão, tocou com a ponta de seus dedos a palma da mão da velha senhora, entregando-lhe as moedas, que sentiu-se comovido por maior compaixão. Naquele instante sentiu o calor daquela mão pedinte como seria o da mão de qualquer pessoa de sua família.

Meu Deus, - ele pensou - é um ser humano quem está aqui, neste estado de miséria e desalento. Esta pobre senhora poderia ser minha mãe ou avó,  e se encontra jogada na calçada, abandonada, sem ter qualquer um que vele por sua vida.
Já cansara de ver mendigos pelas ruas e vez ou outra passava direto sem se importar muito; noutras dava alguma esmola para aliviar um certo sentimento de culpa por olhar alguém em situação tão drástica e nada fazer. Mas nunca sentira algo como agora. Por causa do olhar daquela senhora. Já o vira antes.
Marcos ouviu a senhora agradecer com um Deus te ajude já decorado e recitado mecanicamente inúmeras vezes, mas que revelava gratidão.
Preso à sentimentos contraditórios, afastou-se um pouco, mas uma idéia lhe ocorreu e não permitiu que se fosse: não tinha como minorar o sofrimento daquela mulher pelo resto de seus dias, porque não tinha condição financeira para resolver um problema social imenso como aquele, pois a cada esquina do centro da cidade via um mendigo. Mas e se pudesse lhe comprar a alforria de um dia de liberdade, onde ela não tivesse mais que continuar pedindo e pudesse voltar para casa e descansar um pouco? E se lhe oferecesse o valor que ela demoraria todo o dia para ganhar, se é que viesse a ganhar, estaria ela disposta a abandonar aquela rua naquele mesmo instante e voltar para sua casa?
Marcos calculou: tinha acabado de receber seu salário do mês, podia apertar um pouco as contas e fazer aquela doação. Mas ela aceitaria e compreenderia aquele seu gesto ou não? Marcos agachou-se ao lado da velhinha e disse:
- Senhora, qual o seu nome?
A idosa pareceu não compreender porque um estranho que acabara de lhe dar uma esmola voltara atrás e lhe perguntava seu nome. Sem olhar no seu rosto, respondeu numa voz rouca e cansada:
- Maria, mio fio.
- Ô Dona Maria, vou dar um dinheiro maior pra senhora ir embora pra casa descansar um pouco por hoje. Amanhã a senhora pode voltar. Mas por hoje, quero que a senhora sinta como se já tivesse ganho seu dia e vá descansar. O que é que a senhora acha?
­- Qui Deusi ti bençoe, mio fio. Mais num póssu ir imbora, não. Num tenhu mais casa. Meu véio morreu, fui dispejada do barraco onde morava lá na favela. Num tenhu pr´onde í.
- Mas onde a senhora dorme? Não é aqui, porque passo quase todos os dias voltando do serviço à noite e nunca a vi.
- Eu vô pra praça e fico juntu dus zotrus mindigus. Pru causu de qui tenhu medo de arguém fazê arguma mardade pra mim. Tem gente ruim nessi mundu, nê?
Marcos se lembrou das reportagens de TV onde soube de jovens de classe média que atearam fogo em mendigos e arrepiou-se. Ao compreender toda a extensão do drama e da miséria da pobre velhinha, sentiu um nó na garganta e sufocou uma lágrima.
- A se-senhora fa-faz bem. – Gaguejou – Melhor ficar junto dos outros que sozinha.
Sem pensar duas vezes, enfiou a mão no bolso, arrancou de sua carteira as notas de maior valor que possuía, segurou a mão da senhora com a mão esquerda e com a direita colocou o dinheiro nela, cobrindo em seguida com sua própria mão; sentiu que as pessoas passavam e o olhavam junto daquela mendiga, mas não se importou. Naquele momento a sua humanidade falava mais alto.
- É pra senhora. Compre o que quiser.

- Qui Deusi ti bençoe muito, viu mio fio? Lá na praça a gente dividi o qui consiguiu di dia e quem num tivé conseguidu cumê nada pode comprá arguma coisa pra num morrê de fomi. Na rua temus qui ajudá os zotrus colega pru modu de que tem dia qui num se consegui nada. Aí só mesmu quem veve du mesmu jeitu sabi cumé qui é. Já vi gente morrê de friú e de fomi. Mas si eu puder ajudá, num deixu, não. Dividu tudo cuns amigu.
- Tá bom, Dona Maria. Que Deus abençoe a senhora também. Agora tenho de ir ou vou chegar atrasado no trabalho. Fique com Deus.
A velhinha ensaiou um meio sorriso que deixou aparecer suas gengivas sem qualquer dente.
Depois daquele dia, Marcos sempre se aproximava de Dona Maria e lhe desejava um bom dia. Quando não deixava alguns trocados, pois também era moço pobre, deixava algum alimento e fazia alguma mesura com ela.
Passadas algumas semanas, no entanto, não a viu mais. Procurou todos os dias. E uma noite, foi até a praça onde ela dise que se reunia à noite com seus amigos. Tomando coragem, aproximou-se dos mendigos que ficavam deitados perto do coreto que fora cercado de grade pela prefeitura para impedir que eles ali entrassem. E perguntou para o mais próximo deles que se encontrava deitado, enrolado num cobertor:
- Ô moço, o senhor viu por aí a Dona Maria, aquela velhinha que ficava pedindo esmola ali perto da Casas Bahia?
- A Vó Maria? Ela morreu tem uns cincu dias. Foi interrada lá nu cimitério da cidade, como idigente mesmu.
- Você era neto dela?
- Não, sinhô. Todos aqui a chamavam de Vó Maria. Era a mais velha da turma e muito boazinha.
- Que pena. – disse Marcos, a voz sumindo-lhe da garganta, e os olhos marejando-se – Tinha vindo vê-la. Que Deus abençoe sua alma e a receba em Sua paz.
Marcos deu um trocado para o mendigo e foi embora dali, com o coração pesado. Então lembrou-se da primeira vez que vira Dona Maria. E daquilo que o fizera parar: O seu olhar. Vago e desesperançoso. Então lembrou de já ter visto antes olhar semelhante: no rosto de moribundos prestes a morrer. Aquele era um olhar de quem se despedia deste mundo.
Ela se fora. Como antes dela se fora também sua amada avó.
Marcos nunca mais se esquecera da velhinha, e do motivo que o levara a fundar uma associação de ajuda aos moradores de rua. Sabia que para resolver os problemas sociais não bastava ficar reclamando do governo. Começou a fazer sua parte e ficou surpreso de ver que muitos outros também estavam dispostos a colaborar com ele. Após algum tempo conseguira encontrar lares para muitos deles: ou parentes afastados ou abrigos decentes mantidos  pelo poder público ou em convênio com a sociedade civil e a iniciativa privada.

Agora era Natal novamente. Tinha reunido muitos amigos para participar da campanha para recolher e distribuir alimentos e roupas. Nem que fosse por apenas alguns momentos, faria aqueles solitários moradores de rua serem um pouco felizes.
Com certeza – pensou –  Dona Maria também ficaria contente, se aqui estivessse.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Uma Escalada Interior



Uma escalada interior
Marcos caminhava ofegante pela encosta da montanha. Já acompanhava a trilha por quase três horas. Fizera apenas duas pequenas pausas para observar a abertura de duas grutas à beira do caminho,



mas não se aventurara por elas: não trouxera material adequado; além disso sabia que normas de segurança diziam que nunca se deve explorar sozinho o interior de uma caverna.
O suor escorria-lhe pelo corpo, mas a satisfação era infinita. Naquele momento sentia o tempo como um aliado, um leve marejar, companheiro do prazer da aventura; muito diferente do inimigo implacável que o desafiava no dia-a-dia a cumprir horários rígidos, tornando-o um autômato a ir de um lado para outro, cumprindo mil tarefas diferentes em prazos esmagadores.



Não, ali o tempo era íntimo e amigo. Tudo o que precisava fazer era aquilo que quisesse e apenas queria continuar caminhando pela trilha e chegar ao topo da montanha. Com direito a também parar, sentar no chão, pular e rir de si mesmo. Ali, estava totalmente só, e era dono destes seus afortunados momentos.



E o que mais o impressionou fora o vazio, o silêncio e a paz infinita. Era tanta harmonia que podia chegar facilmente às lágrimas. Não de tristeza, mas de uma alegria inexplicável, de estar em contato consigo mesmo e em harmonia com a natureza. O silêncio era absoluto. O único som que podia ouvir era o som do vento acariciando seu rosto.
A cada respiração sentia a energia da montanha preenchendo seu corpo. Longe de ficar cansado com a puxada caminhada, sentia-se mais vibrante e cheio de vida, como se tivesse voltado a ser um menino. Tinha vontade de caminhar mais rápido, fazer a energia de seu corpo circular e vibrar em uma velocidade cada vez maior. Caminhou mais rápido, deu galopes e correu, voltando ao ritmo da caminhada depois. Podia tudo. Sentiu-se dono de si mesmo novamente.




Não passara por nenhuma tragédia recentemente. Sua vida continuava como antes: era casado, ainda não possuía filhos. Seu tempo era dedicado em sua maior parte ao trabalho desgastante que simplesmente não o satisfazia. Sentia que em breve teria de tomar uma decisão radical quanto a isto. Precisava descobrir uma atividade mais prazeirosa e lucrativa. Mas naquele omento, nada disso o importava. Bastava o momento presente. Porque o cotidiano e a rotina lhe roubavam seu bem mais precioso: o tempo de sua vida. Sentia-se vegetando, sendo lentamente moído pelas engrenagens do tempo e das obrigações sociais.



A melhor decisão que tivera em anos fora à de subir a serra até aquela pequena vila e escalar aquela imensa montanha. Chegaria a quase 2.000 metros de altura no topo. Por sorte, a trilha era larga, sem perigos. Não havia pontos de escalada. Ao lado da trilha, gramíneas, arbustos ressequidos e diminutas flores faziam parte da paisagem. Vez ou outra, uma ave de rapina, à procura de caça, cruzava o céu e ele imaginava que ela era livre, voando pelos céus, sem limites conhecidos, apenas o de caçar para aplacar sua fome.

Após quatro horas e trinta minutos de caminhada chegara finalmente ao topo. E lá no alto a superfície da montanha era semiplana. Daria alguns poucos campos de futebol em comprimento. Mas dali podia enxergar por dezenas de quilômetros ao redor, a perder de vista. Ele chegou, levantou as mãos para o céu e deixou-se cair de joelhos.



Fez uma oração interior. Há anos esquecera-se de como era se sentir tão vivo, de estar no mundo fazendo parte da natureza e não lutando contra ela. Não conseguiu deter uma ou outra lágrima da qual nem ao menos percebeu que derramava, tamanha emoção que lhe invadira a alma. A paisagem ilimitada a toda sua volta lhe parecia gritar que todos os caminhos estavam abertos, que nada o prendia a não ser a sua própria vontade, que fosse o que fosse que decidisse fazer de sua vida, seria bem-vindo e aceito pela natureza, pelo mundo e por Deus.
O seu caminho não estava traçado e engessado. Estava ali, vibrante em mil direções e cores diferentes que lhe sorriam e diziam para simplesmente ser feliz por onde quer que andasse, pois o seu tempo era apenas o tempo de uma vida.



O curto espaço de uma vida humana e que mesmo dentro deste espaço ele ainda podia ser tão breve quanto um suspiro, ou tão longo quanto o curto prazo de validade de seu corpo. Não havia espaço para continuar com uma vida de frustrações e tristezas. Descobria enfim, que a sua vida era o resultado de seus atos. E que a sua vontade e suas decisões eram a bússola que o guiavam pelo caminho que trilhava e o levariam a uma chegada. Se seria feliz, ou se tentaria ser feliz, dependia mais de si mesmo que do ambiente. Agora recuperava enfim as rédeas de sua vida. Não era mais um barco à deriva. Sabia onde queria chegar. E principalmente, como chegar.
A paisagem do topo da montanha nunca mais se apagou de sua memória.






segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Reflexões


by Ronaldo Souza



Os primeiros raios de sol da manhã acordaram Fred. O céu estava vermelho, como todos os dias, após a escuridão da noite. Estava feliz. Poderia ir lá fora, trabalhar um pouco e admirar seu quintal. Seu trabalho era simples: empilhava por poucas horas algumas placas a um canto, e quando sentisse que suas reservas de energia estivessem baixas, tocaria na Fonte, a estátua de um ser, semelhante a si, embora mais angelical, que estava sempre de mão estendida, a lhe oferecer seu precioso alimento.

A maior parte de seu tempo ficava livre, e assim procurava gastar o mínimo de energia com perambulações por seu mundo, posto que já o conhecia plenamente: um pequeno cômodo onde dormia, um quintal onde sempre permanecia no tempo ocioso, e a área onde trabalhava carregando placas e empilhando-as a um canto, quando então desapareciam para sempre. Era feliz em seu pequeno mundo... mas alguma coisa tinha mudado nos últimos dias...

Olhava para o pedacinho de céu e procurava por algo... como se algo mais existisse. Não sabia dizer o que, mas uma inquietação o perseguia. Para onde iam as placas que empilhava todos os dias? Elas desapareciam lentamente em um buraco escuro, era verdade. E a escuridão do buraco o assustava. Se algum dia passasse por ele, pensava, talvez também deixasse de existir.

Não conseguia comportar estes pensamentos. Mas eles não se extinguiam, antes se multiplicavam:

E se existisse algo além de seu pequeno mundo, que não a escuridão? E o que era ele? Criação da Fonte, certamente, que estava sempre a alimentá-lo e lhe dar instruções. Mas se podia pensar, seu criador também poderia, e se a Fonte fosse seu criador, por que ela não lhe transmitia nada mais além de alimentação e instruções vagas, por que não interagia ou mesmo lhe fornecia respostas às suas perguntas. Talvez ela fosse apenas um instrumento, e o verdadeiro criador estivesse fora de seu mundo...

Existirá algo... além... deste... mundo? Haverá... um... criador?

Seus pensamentos iam de um ponto a outro, até que a noite chegava, ia dormir, acordava e recomeçava toda sua rotina.

O cientista observava pela câmera de vídeo, o pequeno robô Fred executar diariamente suas tarefas: empilhava as placas de material incandescente vindas da usinagem para que fossem direcionadas à esteira de transporte. Antes, entretanto, analisava, em questão de segundos, a composição e a estabilidade molecular de cada uma. Como as placas seriam usadas em espaçonaves, não havia possibilidade de erros ou microfraturas no material. Após, recarregava suas baterias na estátua humana, uma alegoria que um colega inventara e ele concordara para tornar divertido o projeto: ao tocar na mão humana, as baterias do robô se recarregavam e seu programa era atualizado. Assim, o robô passava alguns longos minutos de mãos dadas com O Criador.

O experimento dera certo. O robô desempenhava suas tarefas e era estável em sua rotina. Estava certamente pronto para sair do laboratório e ser ativado nas fábricas. E com certeza o seria dentro de poucos dias, pois o presidente do projeto assim o exigira.

Mas o cientista não estava inteiramente satisfeito com as pesquisas. Dúvidas ainda o afligiam: Por que ficava o robô todos os dias no jardim após suas tarefas diárias? Porque não se desligava completamente, após executar suas tarefas e recarregar suas baterias como programado, mas direcionava uma parte de sua energia para seus circuitos neuronais, os chips equivalentes à sua região cerebral? Estaria ele desenvolvendo algum pensamento?

Improvável, pensara. Era apenas uma máquina. Ainda que chips de computador comandassem seus sistemas motores e eletro-eletrônicos. Com certeza, era uma anomalia criada por algum erro na programação. No futuro, sua programação deveria ser reescrita. Por ora, tinha que aprová-lo, conforme ordenado.

O cientista saíra de seu laboratório, almoçara e fora sentar debaixo de uma árvore no Jardim do Campus. Ficou observando os pássaros, relaxando por alguns momentos, com o pensamento distante. Olhou para o céu azul.

Haverá alguém lá fora, nos outros planetas? – pensara. Existirá um criador?

domingo, 7 de dezembro de 2008

Quando Sair na Chuva

by Ronaldo Souza

Quando sair na chuva... não se importe em se molhar

Porque é sempre assim... não importa o que façamos, estamos sempre sujeitos a levarmos alguns respingos. Faz parte da vida.

Não querendo se molhar, nem ouse sair de casa.

Se não quer sentir a possibilidade de derrota, nem mesmo sonhe com a vitória. Se deseja segurança, não se exponha. Ainda assim, corre riscos, inclusive o de não viver... Afinal, estar vivo é estar exposto a riscos e possibilidades.

Não há escapatória. Se você está vivo, logo interage.

A despeito de sua vontade, pessoas podem amá-lo ou odiá-lo... não importa. Importa sim, a sua reação, a capacidade de lidar com situações estressantes sem se afundar no lodo do rio ou se deixar arrastar pela correnteza. Ao contrário, é necessário flutuar por cima das ondas, em uma leve tranqüilidade, relaxando com o fluir dos ventos, a cada instante.

O trânsito sempre pode se complicar em apenas um segundo, quando tudo parecia normal e tranqüilo; a saúde, provocar sustos; as finanças, piruetas; os desafios e dificuldades, medo e impotência. No entanto, é preciso manter a calma, a tranqüilidade e a fé.

Não se pode ter medo de se molhar na chuva, de se queimar ao sol, de sofrer no amor, de chorar na tristeza, de fracassar na vida ou de não ser capaz, pois não se pode ter medo de viver...

São as surpresas e os desafios que trazem sabor à existência.

É no auge da estação da chuva que mais sentimos falta do tempo seco. Também é no auge do inverno que mais sentimos falta do verão, e no verão, quando mais ansiamos pelo clima ameno do outono...

Todo excesso nos provoca um desejo do seu oposto... que o digam os solteiros e solteiras cansados da agitação e da rotatividade de parceiras e que, no fundo, gostariam de sentir a intimidade conquistada com uma só pessoa com quem tivessem afinidade... também o seu oposto é verdade... qual pessoa casada que embora feliz no casamento não gostaria de vez ou outra, voltar a cortejar ou ser cortejado por uma estranha? Somos criaturas ambíguas: a ausência nos causa o desejo, mas na presença tendemos ao fastio... é preciso aprender a valorizar a presença e a suportar a ausência... tudo tem o seu tempo, e em cada um deles devemos colher seus frutos...

Ontem eu era uma criança, um adolescente, um jovem. Hoje sou um homem. E descobri ao caminhar pela vida um chavão que senti na pele: o de que somos todos iguais. Aprendi que apenas nos encontramos em momentos e situações diferentes, por isto nossas visões distorcidas do mundo nos provocam opiniões diferentes. Mas mostramos nossa inteligência e capacidade de interagir quando aprendemos a ouvir a opinião do outro e a enxergar a visão que a provocou. Caminhando, constatei: criança, jovem ou velho, ricos ou pobres, coloridos ou sem cor, nascidos no Leste ou Oeste, somos muito mais que qualquer rótulo: somos humanos!

Repetimos os passos já dados por nossos ancestrais, sempre querendo algo de novo, e descobrindo que este algo novo, na verdade, é bem mais velho que imaginamos.

Se me cabe partilhar um segredo, do tempo que por mim passou, aqui está ele: caminhe, e não se preocupe mais com os respingos da chuva, ou o pó da estrada. A despeito das incertezas, também há flores e cascatas pelo caminho. E se houver alguma pedra no caminho, apenas desvie. Também pode haver tesouros a serem encontrados. É preciso caminhar. É preciso viver.

Cada estação produz frutos diferentes, e cada fruto tem o seu sabor. Escolher entre eles é nossa mais simples tarefa. Mas querer viver apenas de um deles é nosso erro mais clássico, como também o é escolher sempre aqueles inalcançáveis. Simplifique. Sua satisfação agradece.

No Exílio do Amor

(do livro Diário de um Romance by Ronaldo Luiz Souza)

.
.
.
Estar apartado de ti
é ter arrancado de meu ser
minha parte mais preciosa, a mais amada
Longe vivo em uma ilha onde o oceano se faz
Em pensamentos flamejantes que relembram nossas memórias,
palavras, estória, sentimentos, nossos sorrisos e nossas lágrimas.

Estar longe de ti
é olhar o horizonte e nada ver,
estar mas não permanecer,
viver e nada sentir
senão a anestesia de um mundo
onde não há cor e nem vida
em suas planícies áridas e frias

Estar distante de ti
é viver a agonia da escuridão formada
sem a luz da tua alma e o brilho de teus olhos
sem o sorriso de teus lábios e o amor de teu coração

Estar separado de ti
é viver com olhos úmidos, o coração enjaulado,
os risos e as alegrias retidas em um mundo
que já parece não mais me pertencer.

Estar fora de ti
é sempre desejar reviver
as nossas manhãs de céu azul e noites de luar,
o enlace de nossas emoções e sentimentos
Porque Longe Apartado Separado e Fora de ti
é sempre
Desejar ardentemente
Querer profundamente
Sonhar intensamente
Viver ansiosamente
Almejar novamente

Estar junto a ti
.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

O Homem e o Lago

by Ronaldo Souza







Hoje eu passei pelo jardim da cidade. Sempre que vou por ali, faço o caminho mais longo, porque gosto de caminhar próximo às grandes árvores.
Então vi o pequeno lago e o homem que o contemplava. Ambos imóveis. Silenciosos. Unidos em seu isolamento.
Posso dizer o que a imagem daquele homem parecia gritar: ali estava alguém ainda capaz de parar para contemplar um lago. Em plena semana. No meio da correria do dia-a-dia. Quando todos passavam tão apressadamente.
Ele estava lá, impassível. Contemplava o lago. Enxergava o vazio. Buscava a si mesmo.
Interrompi meus passos. Saí do fluxo dos que iam e tornei-me par com aquele que contemplava. Prestei atenção.
Lá estava o homem. O lago. E a incógnita da existência. O vazio, a solidão e a plenitude do contemplar.
Vestia-se de forma simples. Cabelos emaranhados, já grisalhos. Pele queimada de sol. Era pura tristeza e melancolia. O que o atirara à margem do rio da vida, entretanto, só ele poderia dizer.
Mas eu podia ler de longe sua história, em seus pés vincados e inchados, em suas roupas surradas, em seu silêncio vazio.
Seus cabelos balançavam ao vento. Mesmo de longe as rugas evidenciavam, senão sua idade, os percalços por que trilhara. Era um senhor. Mas, como todos nós, apenas uma criança crescida.
Seus olhos estavam fixos no lago. O quanto não teriam já visto aqueles olhos, o quanto não teriam para contar...
Eu os contemplava. Ao homem e ao lago. À sua inércia e ao seu abandono.
Aproximei-me. Olhei em seus olhos. E em seus olhos, havia o lago.
Olhei o lago. O lago também o contemplava.
Percebi a mim mesmo. Eu os contemplava.
Enxerguei meu caminho, minha vida, meu vazio.
Olhei para cima. E passei a contemplar o céu. E minha alma e meu coração se encheram de paz. Assim fiquei por longos momentos. Ao olhar para o lado, percebi que o homem já não contemplava mais o lago. Também passara a contemplar o céu.
Resolvi seguir meu caminho.
Após mim, ouvi seus passos.
Ele também voltara a caminhar.